sexta-feira, 24 de abril de 2020

COLUNA EDUARDO JABLONSKI



Se os autores do Clube Literário de Gravataí, principalmente, quiserem mandar seus livros em pdf para que escrevamos a respeito, o e-mail é evjj1969@gmail.com ou pelo Whats (51) 995782395.

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A Conquista, de Coelho Neto

 Eduardo Jablonski

Professor

 Ao contrário do que dizem os manuais de literatura do ensino médio, o escritor pré-modernista maranhense Coelho Neto não é apenas um romancista que gostava de usar termos raros, esquisitos e mortos. É verdade que emprega algumas palavras eruditas, mas suas obras são do século XIX, quando se falava uma língua portuguesa diferente da atual. Como ressalta a linguística, os idiomas se modificam no decorrer do tempo. Quem sabe a língua de José Saramago fosse mais ou menos daquela forma em 1899, quando Coelho Neto lançou o romance A Conquista.

Trata-se de um livro que prende o leitor do início ao fim, como os romances de Borges Netto e de Fernando Medina (dois companheiros do Clube Literário de Gravataí). Sua temática é variada, aborda o dia a dia de escritores que tentam viver de literatura num Brasil com 95% da população analfabeta. Alguns deles, como ainda hoje acontece, resolvem destinar seus textos à imprensa, para ter como se sustentar. Mas o jornalismo de então era precário e incipiente. Como pano de fundo, se desenvolve a batalha para a Abolição da Escravatura.

A história se dá talvez no mesmo ano da Abolição, 1888, e o nome do jornalista José do Patrocínio é exaltado como um herói nacional. A literatura tem esse poder de registrar um momento da história, o que acontecia nos bastidores da política, do jornalismo e da literatura.

Outro detalhe importante a ressaltar é a malandragem de Coelho Neto. A Conquista está repleta de piadas e frases de humor. É quase um livro cômico. Lendo esse romance, dá para entender por que dizem que Coelho Neto publicou perto de uma centena de romances.

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O CABELEIRA 1876

 Eduardo Jablonski

Professor

 

Em 1876, o cearense Frankling Távora publicou um romance histórico sobre o que talvez tenha sido o primeiro cangaceiro do Nordeste, o Cabeleira, enforcado cem anos antes.  O argumento, portanto, é real, conta a história de José Gomes, que se transformou num bandido por causa do seu pai, Joaquim, que o ensinava a matar. No meio da narrativa, o autor emite opinião sobre a maldade humana (1876, p. 18), e fica um tanto ridícula essa intromissão do narrador. Sugere que o menino nasceu com bom coração (dentro do senso comum de Rousseau, a teoria do bom selvagem), mas foi influenciado pelo meio e por seu pai. Tal colocação quase faria com que o livro ingressasse na escola naturalista, mas alguns posicionamentos melodramáticos o definem como romântico. A mãe de José mostra racismo ao dizer que pelo menos o filho não era negro como o pai (TÁVORA, 1876, p. 19). Luisinha se engraça pelo menino José, que lhe pergunta se ela gostaria de se casar com ele. Luisinha diz que casaria se José parasse de fazer mal aos bichinhos e bater nos meninos (TÁVORA, 1876, p. 25). O desejo da moça terá repercussão no final da história, porque transformou o caráter do cangaceiro. O romantismo também se dá no fato de criar a personagem pai totalmente má, enquanto a mãe era totalmente boa. Não se trata de seres humanos realistas, como os de Machado de Assis.

Alguns professores de Letras podem pensar que os clássicos da literatura nacional têm importância apenas como registros históricos, mas isso está longe de ser verdade. Basta ler os livros, para sentir a força que cada um tem. Um é melhor que o outro no sentido de prender o leitor. Quando Cabeleira começa com as matanças, o livro passa a ficar empolgante como uma história de aventura. Luisinha, por exemplo, vai pegar água num poço mais longínquo e um homem tenta estuprá-la. Então aparece sua mãe para protegê-la. O homem a agride com violência e dá a impressão em Luisinha de que a mãe Florinda havia morrido (naquele momento, não, só depois). Luisinha descobre que o homem era Cabeleira, seu amigo e amor de infância. Este a liberta e vai proteger o esconderijo dos cangaceiros e termina matando, junto de seus colegas, a quatro homens de bem.

É comum o romancista fazer a narração ficar tensa, atrair a atenção do leitor e, estranhamente, mudar de assunto, cambiar o foco e passar a tratar de outro tema. Muitos fazem isso, talvez a maioria. O que conseguem é apenas esfriar a expectativa do leitor, talvez até fazê-lo desinteressar-se.

Depois de Cabeleira parar de matar e jogar suas armas num lago, promessa que fez a Luísa, esta morre, e um pelotão de militares e sertanejos vão ao encalço do bandido. Aqui muda o foco da narrativa. Um sertanejo chamado Marcolino promete a si próprio que caçará o cangaceiro e começa a persegui-lo. Cabeleira estava com fome e pensou em matar um homem para roubar-lhe a comida. Mas lhe apareceu Luísa numa visão lhe rogando que não o matasse, e Cabeleira obedeceu à visão da sua amada.

No final do livro, depois de Cabeleira ser enforcado, o autor faz longa defesa de bandidos, afirmando que a Pena de Morte não contribuiu em nada com a diminuição da criminalidade no Norte e no Nordeste brasileiros. Parecia um petista defensor dos Direitos Humanos para bandidos, mas ele escreveu tal declaração em 1876. Enfim, é um clássico e vale a pena lê-lo. 


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GUERRA E PAZ, DE TOLSTOI

A melhor forma de conhecer uma cultura estrangeira é vivendo alguns
anos em outro país. Porém, quando a pessoa não tem essa condição, outra
possibilidade seria lendo os clássicos da literatura daquele país. Guerra e Paz
(1865), de Liev Tolstoi, com 1531 páginas, conta a história da invasão de
Napoleão na Rússia entre 1812 e 1814. Há várias curiosidades do povo russo.
Uma delas é que a classe nobre falava francês. Quando estavam conversando,
lá pelas tantas, mudavam para a língua de Flaubert. Era um costume um tanto
esnobe, mas que os russos gostavam de fazer. A narrativa se desenvolve com
longos diálogos e enfocam a família do príncipe André, seu pai e a irmã Maria.
Outro detalhe é que Napoleão proibia os soldados franceses de saquear e
roubar as residências dos russos ou estuprar as suas mulheres. Se eles
desejassem comida para os soldados, entravam numa fazenda, solicitavam
alimento e pagavam por isso. É surpreendente, porque se tratava de uma
guerra. Para exemplificar, as invasões dos vikings na Inglaterra foram
marcadas por mortes, roubos e estupros. Mas, enfim, trata-se de um clássico e
vale a pena andar por todas as 1531 páginas. Anos atrás, um diretor de
redação de uma revista de Porto Alegre dizia que um candidato a escritor
precisava ler Tolstoi se quisesse aprender a como escrever com frases curtas.
E Dostoievski uma vez foi pego copiando Guerra e Paz, porque desejava

aprender o estilo do mestre Tolstoi.

Eduardo Jablonski
Professor

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PEDRO PÁRAMO, JUAN RULFO

Eduardo Jablonski
Professor

Numa entrevista para televisão, Carlos Fuentes disse que Dom Casmurro, 1899, de Machado de Assis, era o melhor romance latino-americano do século XIX e que Pedro Páramo,1955, de Juan Rulfo, ocupava o mesmo posto no século XX. Pois Pedro Páramo é uma novela curta. Uma edição disponível na internet soma apenas 68 páginas. Conta a história de Juan Preciado, filho de Dolores. A mãe pede ao filho que vá a Comala, uma cidade fictícia, para encontrar a seu pai, Pedro Páramo. Chegando lá, Juan percebe que muitos são filhos de Pedro. A cidade está abandonada. Encontra  Eduviges, que vê espíritos, e Juan também começa a encontrá-los. A construção narrativa é diferente, porque aparecem cenas e conversas de outros personagens, tudo sem aviso. É como se a narrativa tivesse um fio condutor, mas fosse recortada por diversos trechos ou recortes, como um mosaico. Carlos Fuentes revelou ter perguntado a Rulfo onde aprendera essa forma de narrar ou se a inventara, e o escritor lhe disse que lia muito os romancistas nórdicos, isto é, da Suécia, Suíça, Finlândia e Noruega, e eles escreviam assim. O interessante é que o escritor mexicano Juan Rulfo é mundialmente conhecido apenas por essa novela. Ao longo de sua carreira, publicou somente outros dois livros: El llano en llamas e El gallo de oro. 

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SÉRGIO SANT’ANNA, OUTRA VÍTIMA DO CORONAVÍRUS

Eduardo Jablonski
Professor 


Outro grande escritor morto devido ao coronavírus foi Sérgio Sant’Anna, aos 78 anos. Nascido no Rio de Janeiro, completou 50 anos de carreira literária e era um dos poucos a conseguir viver somente de literatura, o que é raro no Brasil. Publicou um pouco mais de 20 livros, em geral contos, novelas ou romances. Em 1997, a Cia das Letras publicou seus Contos e Novelas Reunidos. As narrativas trazem um estilo único: um texto de fácil compreensão, não há palavras difíceis, nem os palavrões abundantemente usados pelos cariocas no dia a dia (por essa razão o atual Presidente foi pego dizendo muitos palavrões, porque todos os cariocas, e são todos mesmo, agem assim: não conseguem dizer uma frase sem um ou dois palavrões). Apesar disso, por causa de algumas menções, o leitor entra em contato com a cultura e a geografia do seu estado natal, o Rio de Janeiro. Além de ter muitas histórias importantes, uma que chama a atenção é “Miss Simpson”. Trata-se de uma novela sobre uma turma de estudantes de inglês. O narrador é Pedro Paulo, que se separou de Antonieta, com quem têm dois filhos. Todos os alunos homens do curso acabam se relacionando sexualmente com a professora. Pedro Paulo transa com a ex-mulher e com a babá dos filhos, além da professora. Uma das personagens é Matoso, um homossexual. Há forte preconceito contra os gays. Inclusive o narrador contou uma briga a socos por causa dele. A história inteira é envolvente e não deixa o leitor parar de ler, como os livros de Borges Netto. Mas o desfecho é surpreendente, como desejava Edgar Allan Poe.



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Melhor escritor do Chile morre de coronavírus

Eduardo Jablonski

Professor 

Luís Sepúlveda talvez fosse o melhor escritor atual do Chile, e isso é algo importante, porque se trata de um povo culto (34% da população tem nível superior, enquanto apenas 21% dos brasileiros se formaram, e os chilenos leem, em média, 5,6 livros por ano, e os brasileiros não passam de 2). Chile já teve Gabriela Mistral como Prêmio Nobel. O Brasil nunca recebeu essa distinção, embora merecesse com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e hoje Carlos Nejar. Pois Luís Sepúlveda morreu no dia 16 de abril de 2020 de coronavírus aos 71 anos. Interessante da sua biografia é que trabalhou como guarda-costas do Presidente Salvador Allende. Por isso se supõe que devesse dominar artes marciais. Houve um brasileiro faixa preta de judô, Paulo Leminski, e um americano lutador de boxe, Ernest Hemingway. Dizem que Sócrates, Platão e Aristóteles dominavam a luta greco-romana.
Um dos livros mais famosos de Luís Sepúlveda é El viejo que leía novelas de amor, publicado em 1989. É o que um brasileiro chamaria de novela mesmo, porém a novela em espanhol é o romance do português. Existe uma diferença entre os dois gêneros. Novela, em Português, é uma história de umas 80, 90 páginas, com poucos personagens, um foco narrativo e alguns obstáculos. Um romance teria no mínimo 130 páginas, um número maior de personagens, vários focos narrativos se entrelaçando e muitos obstáculos.

Então El viejo que leía novelas de amor é uma novela, conta a história de um velho que vivia na floresta Amazônica sozinho e cujo divertimento era ler romances de amor. A narrativa fala um pouco da convivência com os índios e detalhes do cotidiano da floresta. É um enredo que valoriza pequenos detalhes do dia a dia.


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A testemunha, de Fernando Medina

Eduardo Jablonski
Professor 

Harold Bloom, o autor de Cânone Ocidental, disse que um livro bom é aquele que fica na memória. Já havíamos escrito sobre essa A Testemunha, de Fernando Medina, para o livro Literatura Contemporânea de Gravata I (2016) e o conto que dá nome à produção é uma obra-prima. Muitas lembranças nos trouxe diversas vezes em outras oportunidades, quando líamos outros escritores ou estudávamos filosofia. É uma história de tensão e não dá para largá-la. Fica-se angustiado desde quando o taxista pega um passageiro, e este lhe pergunta – “O que faria se soubesse que tua esposa o está traindo?” (MEDINA, 2015, p. 15), na expectativa do que vai acontecer. Uma vez Osvaldo França Júnior disse que um relato de qualidade precisaria funcionar como um soco na barriga. É mais ou menos o que se sente lendo esse trabalho. Não contamos o resto, porque vale a pena comprar e ler o livro. O Whats do autor é (51) 99139.7952.

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Ângela Xavier

Eduardo Jablonski
Professor

A história dos Lanceiros Negros, que foram traídos pelos heróis farroupilhas e travaram a última batalha da Revolução no dia 28 de novembro de 1944, no local onde hoje fica a cidade de Arroio Grande, é tema de um belo e emocionante livro de Ângela Xavier, O Lanceirinho Negro, publicado pelo Clube Literário de Gravataí em 2019. A obra foi elaborada para crianças e conta a história de um menino negro que um dia gostaria de ser professor de História, para repassar aos alunos o que aprendia com sua avó sobre a cultura negra e os Lanceiros Negros. Ângela Xavier é formada em Letras e fez especialização em História e Cultura Afro-brasileira e Etnologia Indígena. Além de ter feito a apresentação do livro de crítica literária Deusas da Poesia, que será lançado em breve pela Class, também está na fase final de um romance que fala sobre homossexualismo e empoderamento da mulher e do negro, seus temas de pesquisa. 

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CRÔNICAS DO DR. NICANOR


Eduardo Jablonski
Professor 

Luiz Nicanor é o Patrono da Literatura Patrulhense. Por enquanto, publicou nove obras, entre poesia, crônicas e contos, mas é o mais significativo e dedicado autor da região. Sua antologia de crônicas De ontem e de antanho, publicada em 2016, é uma recapitulação da sua vida como estudante de medicina, médico e intelectual, e também do seu pai, o Dr. Bonifácio, que parece quase xérox do filho, o Dr. Nicanor. Ambos tinham as mesmas características. Seguindo o formato da crônica de humor praticada por Stanislaw Ponte-Preta, Lourenço Diaféria, Paulo Mendes Campos e Luiz Fernando Verissimo, os textos do Dr. Nicanor prendem da primeira à última linha. A forma como o adolescente Luiz Nicanor foi a Tramandai pela primeira vez é hilariante, tomou o ônibus, foi de calças e sapatos, não sabia para onde era a praia e acabou não vendo o mar, porque ficou envergonhado de conferir a informação com as pessoas. Na segunda vez, andou até a praia, mas de calças, sapatos e camisa social. Alguém da sua família levou 50 anos para ver o mar, embora vivesse em Santo Antônio da Patrulha. Há várias histórias de estudante carente que, com muito esforço, se formou em Medicina na UFRGS. Isso prova que dá para vencer na vida, mesmo não tenho condições, como foi o caso. 

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CLEBER PACHECO


Por Eduardo Jablonski
Professor 


Cleber Pacheco é um poeta que usa da metafísica para produzir o seu trabalho, explora a essência das coisas ou o ser dos entes, como gosta de especificar a Filosofia. Graduado, especialista e mestre em Literatura, já publicou romances, contos, poesia, crítica literária e teatro. O autor, que vive em Esmeralda, a 345km de Santo Antônio da Patrulha, se considera um “caramujo”, mesma expressão que o Bruxo do Cosme Velho usava para se autodefinir. Sua poesia é complexa e quase intransponível. Como disse José Eduardo Degrazia, “o autor não prometeu facilidades”. Veja um trecho de 2010: “Arte requer / recipiente, / vácuo e lugar / do dissonante, / convergir / do inarticulado, / espaço e cor / do desmentido” (PACHECO, 2010, p. 9)